“PROPOSTA DE REFORMA TRABALHISTA E SEUS IMPACTOS SOB A ÓTICA DA SUSTENTABILIDADE.
Jarbas Vasconcelos do Carmo¹
Silvia Santos de Lima²
Após noticiar-se a proposta de reforma dos direitos trabalhistas, que, segundo informações, será encaminhada pelo recém-chegado à presidência – Michel Temer ao Congresso Nacional até o final deste ano (2016), muitas discussões e especulações foram travadas a esse título.
A tentativa da nova gestão governamental se funda, basicamente, a demostrar aos aliados e ao mercado a pré-disposição em efetuar medidas que acelerem o crescimento da economia, a fim de que as empresas possam retornar ao nível de desenvolvimento e concomitantemente aumentar o índice de empregabilidade nacional.
O fato é que a referida reforma, até a presente data, encontra-se obscura, sem muitas informações sobre os títulos que serão ou estarão sendo negociados, bem como o sentido de tais negociações.
Aquilo de que se tem notícia, foi o suficiente para causar temor aos trabalhadores e seus representantes, ante o superficial detalhamento do atual Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, causando, por certo, uma repercussão bastante negativa, o que forçou o governo a “esclarecer melhor” o projeto.
Não apenas os trabalhadores e seus representantes, mas o próprio Judiciário Trabalhista apresentou manifestação pública contra o indefinido projeto, por intermédio do “Documento em defesa do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho no Brasil”.
As mudanças dividem opiniões no sentido de se defender a real necessidade de uma reforma na legislação trabalhista que data da década de 40, com a argumentação de se dirimir custos e burocracia, incentivando novas contratações, fruição do mercado e diminuição das exorbitantes taxas de desemprego, por outro lado, a latente existência de um temor de que a referida reforma, diante das inúmeras possibilidades de flexibilização, traga uma precarização das condições de trabalho existentes e, em sua realidade, já tão precária.
Em suma, a referida proposta prevê a flexibilização dos direitos incluídos no artigo 7º da Constituição Federal/88 – denominados direitos sociais –, abrangendo todos os que foram definidos de forma geral e regulamentados pela CLT, e ainda, aqueles que o próprio texto constitucional já permite negociar.
Assim, dentre os principais temas da reforma trabalhista a ser proposta estão:
- Flexibilização da CLT no que tange a possibilidade de permitir acordos realizados entre o sindicato e a empresa possam prevalecer sobre o que determina a referida legislação e a criação de duas novas modalidades de contrato individual de trabalho: por hora trabalhada e por produtividade, possibilitando, em suma, jornadas de horas trabalhadas semanalmente continuaria sendo o permitido hoje, com o limite de até 4 horas extras por semana. Atualmente, a jornada semanal tem 44 horas, distribuídas em 8 horas de segunda a sexta-feira, além de 4 horas aos sábados. A regra que vigora prevê também 2 horas extras diárias.
Tais modalidades estariam adstritas aos serviços especializados, como uma espécie de opção extra à contratação por jornada de trabalho.
- A terceirização
A ideia de reforma neste ínterim é propiciar a ampliação da contratação de prestadores de serviços para todas as atividades das empresas privadas.
- A permanência do Programa de Proteção ao Emprego – PPE que já existe, porém em caráter provisório, tendo sido criado pelo governo Dilma Rousseff, em 2015, a fim de se evitar demissões durante a crise e tem validade até 2017. Com a reforma, o PPE se tornaria permanente e seu alcance seria ampliado.
O PPE tem como ideia básica a possibilidade de que empresas em dificuldade financeira diminuam a jornada de trabalho dos funcionários e, consequentemente, seus salários para se evitar demissões, passando o governo, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT a compensar parte da perda salarial do empregado.
Com a legislação vigente, a redução na carga horária pode ocorrer, todavia, limitada ao percentual de até 30%, com o governo compensando aproximadamente metade desse valor. Vale salientar que os percentuais, bem como as regras para a adesão das empresas em dificuldade financeira ao programa podem ser ajustados e alterados.
Todavia, apesar da justificativa de fundo ser o fato de as demissões além de causarem prejuízo ao demitido, serem caras para as empresas, há de se considerar o fato que a redução da jornada desse trabalhador está diretamente e proporcionalmente relacionada com a sua redução de salarial.
O já debatido argumento de que ser preciso reduzir direitos para maior geração de empregos é temeroso, e até certo modo, fantasioso, principalmente se tivermos como parâmetro os países que já experimentaram a denominada “flexibilização” , onde houve um aumento desproporcional nos índices de desemprego e de trabalhos informais, por exemplo, na Espanha e em Portugal.
Além disso, ouve-se de modo muito comum, inclusive com reproduções por pequena parcela o argumento utilitarista do “mal menor” que notoriamente ofende a dignidade da pessoa humana, uma vez que estar-se-ia considerando o absurdo de que o trabalho precário seria melhor do que o desemprego, por este argumento, de forma extrema, estaríamos a justificar até mesmo a escravidão.
É notório que hodiernamente aproveitam-se da fragilidade em que se encontram os trabalhadores, mormente, em tempos de crise para desconstruir direitos, desregulamentar a legislação trabalhista, possibilitar a dispensa em massa, reduzir benefícios sociais, terceirizar e mitigar a responsabilidade social das empresas.
Ademais, diante da situação econômico-política-social brasileira seria o momento para desproteger o trabalhador? O intuito seria o de proteger o emprego a qualquer custo?
Ora, por todo o contexto histórico evolutivo da legislação trabalhista no Brasil é exatamente, nestes momentos de crise, que se deve proteger o trabalhador. Aliás, foi exatamente este o motivo pelo qual a primeira legislação trabalhista que se tem conhecimento foi criada, o Moral and Health Act, promulgada na Inglaterra por iniciativa do então primeiro-ministro, Robert Peel, em 1802.
E, as discussões e críticas a legislação trabalhista por alguns setores advém desde aquela época sempre acompanhadas de um discurso segregador, que prejudica, em sua maioria, o trabalhador.
Em verdade, a flexibilização das garantias trabalhistas é uma opção política que amplia a liberdade econômica em detrimento dos direitos sociais, direitos estes, há muito elencados como fundamentais.
Ora, os direitos sociais, ao se inserirem no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais inscritos no Título II da CF/88, demonstram a opção do legislador constituinte em instituir um Estado Democrático de Direito pautado na promoção e efetivação dos valores sociais e individuais à luz do princípio da dignidade da pessoa humana… os direitos sociais, em toda a sua extensão, abrangendo, inclusive, os direitos dos trabalhadores contidos no art.7º, portanto constituem cláusula pétrea constitucional.
E sendo equivalentes a direitos fundamentais, as propostas de reforma trabalhista tornam-se manifestamente inconstitucionais, pois os direitos sociais previstos no artigo 7º da CF/88 constituem cláusula pétrea e, como estas, não podem ser abolidos nem reduzidos por emenda constitucional. Desse modo, é indubitável que uma Emenda Constitucional nesse sentido possa padecer do vício de inconstitucionalidade. Mas não é só. A todo exposto, alia-se ao fato de a supressão dos referidos direitos afrontarem diretamente o princípio que veda o retrocesso de avanços sociais.
Por qualquer ângulo que se examine a questão, os direitos sociais não podem ser suprimidos pelo Poder Público, nem mesmo através de Emenda Constitucional, seja porque aqueles previstos no artigo 7º da Constituição constituem cláusula pétrea ou porque não se admite o retrocesso do avanço social.
Temos que é inegável a necessidade de ajuste da legislação trabalhista com finalidade social e econômica, permitindo que empresas se adaptem na produção, no emprego e nas condições de trabalho, porém, chama a atenção a superficialidade das propostas até agora apresentadas, a ausência de estudos e a percepção de consequências atuais e futuras para o país e para os trabalhadores da empresa.
De fato, não nos parece adequado tomar a crise econômica como alavanca para supressão de direitos, com a argumentação já desacreditada e “descomprovada” de que isto proporcionaria o aumento de empregos. Todavia, não se pode negar a necessidade de revisão do modelo jurídico que temos seguido, ante as transformações do mundo do trabalho. Este é um compromisso de contínua adaptação e não deve tomar caráter de urgência apenas no enfretamento de dificuldades.